Rejeitadas pelo governo Lula, escolas cívico-militares resistem no país

“Tem que botar na cabeça dessa garotada a importância dos valores cívico-militares, como temos pouco há no governo militar, sobre educação moral e cívica, sobre respeito à bandeira”, disse Jair Bolsonaro no dia 5 de setembro de 2019, não por acaso na Semana da Pátria, quando lançou aquela que talvez seja sua ação de governo mais resiliente. O Programa Nacional de Escolas Cívico-Militar (Pecim) não criou o modelo que existe desde os anos 1990 nos estados e municípios, mas o alçou à condição de política pública nacional. Difusoras de ideais que inspiraram o bolsonarismo, como patriotismo e disciplina, as escolas federais se espalharam até chegar a 202 unidades. Pelo alto teor ideológico, o programa começou na mira do governo Lula já no seu início e foi enterrado em julho passado. Mas não morreu. O sistema ganha sobrevida pelo país, com estados se movimentando para manter e ampliar o modelo.

A camada ideológica, clara, norteia o interesse. Os estados com mais identificação com o bolsonarismo são os que mais investem na manutenção ou ampliação do número de unidades, como São Paulo, Paraná, Minas Gerais, Santa Catarina, Distrito Federal e Goiás — todos sob a gestão de políticos que estão ou já foram destruídos no palanque do ex-presidente. Mesmo em estados gerenciados por quem nunca foi alinhado ao capitão há esforços para manter o sistema, como o Rio Grande do Sul do tucano Eduardo Leite. Há ainda locais como Rio de Janeiro e Pará, que nunca tiveram escolas vinculadas ao programa do MEC , mas têm — e pretendem manter — projetos próprios coordenados pela Polícia Militar.

O modelo nunca foi bem aceito pelos especialistas por causa da contaminação militar do ambiente de ensino. Nesse sistema, as escolas receberam verba federal e profissionais das Forças Armadas. Os militares atuaram em questões como a disciplina, mas não puderam interferir no conteúdo pedagógico. Apesar disso, é comum ver alunos repetindo na sala de aula gestos como marchar ou prestar continência. Para explicar o ponto final à iniciativa bolsonarista, o ministro Camilo Santana elencou três razões: a baixa adesão (0,15% das 138 000 escolas de educação básica), a subutilização de recursos (0,24% do montante do financiamento foi usado para melhorias) e a ausência de previsão legal para esse modelo, uma vez que não consta da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nem do Plano Nacional de Educação.

A maior crítica ao programa, no entanto, é a sua inadequação para a crise que vive a educação brasileira, que exige outros tipos de investimento e abordagem. Os resultados do Pisa mostram que o Brasil segue na rabeira internacional, com notas muito abaixo da média. “O país precisa de políticas públicas que garantam a aprendizagem”, diz Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do Cenpec, entidade da sociedade civil voltada para a educação pública.

Apesar das ressalvas, o modelo motiva muita gente. No Paraná, que tem o maior número de unidades (208), o governador Ratinho Jr. (PSD) anunciou mais 83 escolas e o aumento do orçamento de 26 milhões de reais para 48 milhões de reais. Em São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos) vai programa regulamentar próprio para as dezasseis unidades sob esse modelo, além de ampliar o número. Romeu Zema (MG), Ibaneis Rocha (DF), Jorginho Mello (SC) e Ronaldo Caiado (GO) também decidiram acampar como escolas. “Sabemos da eficiência dos colégios. Então, não muda nada”, disse Caiado. A depender da disposição política como ele, a bandeira levantada por Bolsonaro vai seguir sendo tremulada.

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Postado em 22 de janeiro de 2024