Rui Costa amplia influência no governo e vira alvo número 1 de intrigas
O presidente Lula nem sempre viu com bons olhos as movimentações do chefe da Casa Civil, Rui Costa. Em 2018, ele não gostou de saber, logo após ser preso pela Operação Lava-Jato, que o agora ministro, à época governador da Bahia, passou a defender a escolha de um nome alternativo para concorrer ao Palácio do Planalto, enquanto o PT insistia em dizer que Lula não ficaria fora do páreo. O incômodo cresceu no ano seguinte, quando Rui Costa, em entrevista a VEJA, apresentou-se como presidenciável e, projetando a sucessão que ocorreria em 2022, declarou que o PT não deveria abandonar a bandeira “Lula livre”, mas não poderia exigir que outros partidos a empunhassem. Em ambos os casos, o ministro pareceu pragmático demais — ou comprometido de menos com a batalha judicial do chefe para recuperar a liberdade. Apesar desses desencontros e da resistência de petistas graúdos à ideia, Lula convidou o ex-governador para ser o capitão do time de seu terceiro mandato, o novo gerente da máquina, o seu “Dilma de calças”, como o próprio mandatário definiu. De gosto duvidoso, a analogia não é de todo descabida.
Assim como a ex-presidente, Rui Costa é alvo de críticas diversas à frente da Casa Civil. Diz-se que não faz política, tem péssima relação com o Congresso e atropela colegas de governo. Assim como sua antecessora no cargo, ele também foi incumbido de formatar e tirar do papel o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e de empenhar as estatais nos esforços governamentais destinados a turbinar os investimentos no país. Essas tarefas estão na origem de boa parte do desgaste do ministro. Nos últimos dias, ele se dedicou a pressionar o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, a seguir suas ideias. Em público, o motivo do embate é o preço dos combustíveis. Com base numa queda circunstancial da cotação do dólar e do barril de petróleo, Rui Costa — com o apoio do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira — cobra a redução do valor da gasolina, que poderia ter impacto positivo na inflação. Prates resiste por entender que a Petrobras não deve repassar ao consumidor brasileiro toda e qualquer volatilidade do mercado externo, seja para encarecer ou baratear o preço. “Não faz sentido atuar por impulso ou açodamento”, declarou. O peso dos combustíveis na inflação e no humor do eleitorado é inegável, mas o pano de fundo é outro.
Em diferentes reuniões nas últimas semanas, inclusive com a participação de Lula, Costa reclamou do plano de investimento da Petrobras. De forma resumida, ele quer mais dinheiro desembolsado em um intervalo de tempo menor. Como Dilma, o ministro acredita piamente que a empresa tem de cumprir um papel de indutora do crescimento, o que em gestões anteriores do PT resultou em obras monumentais, mas também serviu de terreno fértil para o petrolão. Em meio à disputa, o site de O Globo divulgou que Rui Costa indicaria a Lula o nome de um subalterno de sua confiança para substituir Prates. O ministro não negou a informação e, depois que ela circulou, disse a um representante de uma empresa privada, numa conversa reservada, que não haveria troca no comando da companhia. O recado a Jean Paul Prates, no entanto, já estava dado. Quando chegou a Brasília, o chefe da Casa Civil fez questão de espalhar a versão de que, na Bahia, tinha fama de tocador de obras. Daí, o apelido de Rui Correria, que agora precisa comprovar em âmbito nacional. Para isso, o ministro diz ser essencial incentivar os investimentos privados, mas não abre mão de pressionar a equipe econômica por mais gastos públicos.
Hoje, sua maior queda de braço se dá com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Rui Costa fez o que pôde para convencer Lula a desistir da meta de déficit primário zero em 2024. Influenciado pela pregação do auxiliar, o presidente chegou a declarar que seria difícil alcançar essa meta e que não aceitaria cortar despesas do PAC e das áreas de saúde e educação para viabilizá-la. Haddad foi pego de surpresa com as afirmações do chefe, mas não recuou. O embate se desenrolou até o momento em que o governo informou que não abrandaria o alvo inicial, como queria Rui Costa. O chefe da Casa Civil não se fez de rogado e, mesmo após o anúncio público da decisão, tentou convencer Lula a recuar. Não deu certo. Até segunda ordem, a meta de déficit zero está mantida, mas será afrouxada caso os projetos propostos pela equipe econômica para aumentar a arrecadação não sejam aprovados — ou não gerem recursos na quantidade necessária para equilibrar receitas e despesas. Desde o início do terceiro mandato de Lula, Haddad tomou a frente de boa parte das negociações com o Congresso diante da queixa dos parlamentares com a articulação política feita pelos ministros do palácio.
O ponto fulcral das reclamações de deputados e senadores era justamente Rui Costa, chamado em conversas reservadas de “troglodita” e “desleal”, entre outros termos menos edificantes. Congressistas até do PT dizem que acordos políticos não são cumpridos por serem barrados pelo chefe da Casa Civil. A insatisfação cresceu tanto que o presidente da Câmara, Arthur Lira, chegou a sugerir a Lula a demissão de Rui Costa. Nos bastidores, costuma-se afirmar que o ministro enfrenta problemas porque age com a mesma postura imperial que tinha como governador. Pode até ser verdade, mas essa não é a questão central. Petistas como José Dirceu, o poderoso chefe da Casa Civil no primeiro governo Lula, alegam que o presidente cometeu um erro de origem ao escolher para o cargo um quadro que não gosta de fazer política. Um gerentão puro e simples.
Quando foi nomeado para a Casa Civil, o ministro entrou na lista de potenciais candidatos à Presidência na hipótese de Lula não concorrer à reeleição. Hoje, o nome considerado sucessor natural do presidente nas urnas é Fernando Haddad, mas várias outras opções são cogitadas, como o vice Geraldo Alckmin e até o ministro da Justiça, Flávio Dino, ambos do PSB. Até 2026 há muito chão pela frente. Favoritos podem ser obrigados a deixar o páreo, como ocorreu no passado com José Dirceu e Antonio Palocci, abatidos por escândalos de corrupção. Azarões também podem surpreender. Dilma Rousseff nunca tinha disputado uma eleição majoritária até ser ungida por Lula. Ela não era muito benquista na Esplanada e no Congresso, mas contava com a aprovação do chefe, exatamente como ocorre até agora com Rui Costa. Ser “Dilma de calças”, quem diria, pode alçá-lo a projetos ainda mais ambiciosos.
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