Secretários de Fátima e Paulinho Freire se preparam para deixar cargos e disputar eleição

A contagem regressiva para as eleições de 2026 já começou a movimentar o cenário político potiguar. A menos de um ano do pleito, o que se vê são as peças de um tabuleiro em rearranjo — e o epicentro dessas movimentações está dentro das próprias máquinas públicas. Secretários estaduais e municipais se preparam para deixar os cargos até o início de abril, prazo final para desincompatibilização, e mergulhar na disputa por mandatos.
O fenômeno, embora recorrente, ganha contornos estratégicos neste ciclo eleitoral. De um lado, o governo da governadora Fátima Bezerra (PT), que já se reorganiza diante da iminente saída do gabinete no Centro Administrativo para concorrer ao Senado. De outro, a Prefeitura de Natal, sob comando do prefeito Paulinho Freire (União Brasil), que já projeta uma ampla reforma do secretariado, com auxiliares próximos ensaiando voos eleitorais.
A expectativa é de uma “dança das cadeiras” no primeiro trimestre de 2026, com impacto direto na condução administrativa e na configuração das alianças políticas estaduais.
Segundo a legislação eleitoral, secretários e gestores públicos que pretendem disputar as eleições de 2026 devem deixar os cargos até 5 de abril, seis meses antes do primeiro turno, marcado para 4 de outubro de 2026.
No governo estadual, o planejamento de sucessão à cadeira de Fátima Bezerra se desenha dentro do próprio secretariado. O nome mais forte é o do atual secretário da Fazenda, Carlos Eduardo Xavier (PT), que confirmou ao jornal sua intenção de disputar o Governo do Estado. “Nossa missão é defender o legado da governadora Fátima e apontar um futuro de ainda mais desenvolvimento no processo eleitoral de 2026”, afirmou o secretário, que está à frente da pasta desde o início da primeira gestão da petista.

Servidor de carreira e ex-presidente do Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda (Comsefaz), Carlos Eduardo simboliza a aposta do PT em um perfil técnico, com trânsito político moderado.
Ao lado dele, a governadora deve perder outros nomes de peso: Marina Marinho, titular do Turismo e ex-prefeita de Jandaíra, que também confirmou que deve disputar uma vaga na Assembleia Legislativa. “Meu nome está à disposição do partido e do grupo da governadora Fátima. Quero representar o Mato Grande, uma região há décadas sem voz na Assembleia”, disse a gestora, que também defende mais representatividade feminina na política potiguar.

A lista inclui ainda Alan Silveira, que está à frente da pasta de Desenvolvimento Econômico e ex-prefeito de Apodi, que deve concorrer também à Assembleia pelo partido aliado, além de nomes com histórico eleitoral como Pedro Lopes (Administração) e Alexandre Motta (Saúde).
O cientista político Alan Lacerda, professor titular do Instituto de Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), avalia que essa multiplicidade de candidaturas dentro da estrutura do governo pode ser vista como um sinal de capilaridade da base, mas também de potencial tensão. “É natural que partidos aliados lancem seus nomes, mas há sempre o risco de dispersão de votos e disputa interna por espaço. No caso do RN, a aliança PT-MDB tem sido estável, mas a campanha de 2026 vai testar esses limites”, afirma.
Portas giratórias da política
Para Lacerda, o movimento de secretários que se lançam candidatos é um fenômeno já consolidado na política brasileira e que não costuma comprometer a gestão pública. “A desincompatibilização é normal e recorrente. Não há evidência de que isso afete a continuidade das políticas, até porque faz parte do padrão de ‘porta giratória’ da política nacional — onde um gestor pode sair do Executivo, disputar um mandato e, mais tarde, retornar à máquina pública”, explica.
Ele acrescenta que o modelo brasileiro de transição entre cargos favorece o Executivo e poderia ser revisto. “Em alguns países, um parlamentar que assume cargo no governo precisa renunciar ao mandato. Aqui, não. Essa discussão existe, mas a classe política não tem interesse em avançar nela”, avalia.
Prefeitura repete o movimento
Na Prefeitura de Natal, o desenho é semelhante. A secretária de Assistência Social, Nina Souza (Semtas) — vereadora licenciada e esposa do prefeito Paulinho Freire (União Brasil) — deve deixar o cargo para disputar uma vaga na Câmara Federal.
Embora evite falar publicamente sobre a pré-candidatura, Nina confirmou em agosto uma aliança com o presidente da Câmara Municipal, Eriko Jácome, formando a chamada “casadinha”: ela para deputada federal, ele para deputado estadual.

O acordo é visto como um movimento de preservação e fortalecimento do grupo político do prefeito Paulinho Freire, que encerra o mandato em 2026 e busca manter representação em Brasília.
“No caso de Nina, o movimento é claramente de substituição da vaga do marido. O União Brasil deve tentar repetir o desempenho de 2022, quando elegeu dois deputados federais”, analisa o cientista político Alan Lacerda.
Além de Nina, outros nomes com trajetória eleitoral também devem deixar o secretariado municipal, como Brenno Queiroga (Semad) e Felipe Alves (Semsur), o que deve forçar o prefeito a promover uma minirreforma administrativa.
Efeitos políticos e administrativos
O uso de cargos públicos como vitrine eleitoral é uma estratégia conhecida — e eficaz. Estar à frente de uma secretaria, especialmente em áreas visíveis como saúde, assistência social ou turismo, amplia a exposição de um pré-candidato e facilita a construção de bases.
O risco, porém, é administrativo: as trocas em bloco tendem a criar períodos de instabilidade e descontinuidade de políticas públicas. “É o preço da politização da gestão”, avalia Lacerda.
No caso do Rio Grande do Norte, a coincidência de movimentos em esferas estadual e municipal — ambos com secretários de perfil eleitoral — reforça o tom de transição que já domina o ambiente político potiguar.
Cenário de incertezas
Com a governadora Fátima Bezerra mirando o Senado e o PT lançando seu principal gestor para a sucessão, o pleito de 2026 tende a polarizar novamente o campo progressista e a direita potiguar, hoje dividida entre Republicanos, União Brasil e PL.
“A eleição de 2026 será mais competitiva do que a de 2022. O PT deve manter força, mas o União Brasil e o MDB ainda têm espaço para crescer. Já o PL, que elegeu quatro federais em 2022, dificilmente repetirá o desempenho”, projeta Lacerda.
O que está em jogo, portanto, vai além da disputa de nomes: é a tentativa de reorganizar os blocos de poder no Estado, em um momento de reposicionamento nacional dos partidos e redefinição de lideranças locais.
Até lá, cada exoneração e cada anúncio de candidatura serão peças estratégicas nesse xadrez que já começou a se mover — um jogo em que os bastidores da gestão pública e as articulações eleitorais se confundem, como há muito não se via no Rio Grande do Norte.
Marline Negreiros – NOVO NOTICIAS
