Senado retoma discussão da PEC que pode privatizar áreas da União no litoral
A Comissão de Constituição e Justiça do Senado promove nesta segunda-feira (27) uma audiência pública para discutir a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que transfere terrenos de marinha em áreas urbanas da União para estados e municípios ou para proprietários privados .
Com isso, o Senado retomou a discussão da polêmica proposta, que estava parada desde agosto do ano passado por iniciativa de parlamentares governamentais, inclusive com a apresentação do requerimento de audiência pública.
Ambientalistas apontam que o texto dá margem para a criação de praias privadas, além de promover riscos para a biodiversidade.
A audiência pública nesta segunda-feira vai contar com a presença de representantes dos ministérios do Meio Ambiente e da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, de associação de pescadores, de terminais portuários privados e prefeitos de cidades banhadas por mares, rios ou lagoas.
A PEC foi aprovada pela Câmara dos Deputados em fevereiro de 2022. Uma medida de resistência do governo, que prevê riscos ambientais e busca obstruir a votação. A última tentativa aconteceu em agosto do ano passado, em sessão da própria CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).
Nesta sessão, o presidente da comissão, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) afirmou que muitos senadores estavam “cobrando a deliberação dessa matéria”. O governo, no entanto, ganhou tempo ao aprovar exigência do senador Rogério Carvalho (PT-SE) solicitando a realização de audiência pública.
“Esse tema é muito importante e precisamos de um estudo sobre: o impacto no patrimônio da União que vai representar essa lei, o impacto ambiental, o acesso ao litoral, como é que vai se dar o acesso ao litoral no momento em que esse terreno deixa de ser de propriedade da União; a ocupação do solo, quem vai definir a ocupação do solo e as comunidades de pescadores, ou seja, é um tema que requer uma discussão”, afirmou o senador governamental na ocasião.
O relator da proposta na comissão é o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que indicou a tentativa do governo de “protelar” a votação. O parlamentar afirmou que levantamento da SPU (Secretaria de Patrimônio da União) apontou que atualmente são 521 mil propriedades cadastradas em áreas de marinha.
“Essa é a maior reforma agrária que a gente pode ter na história do Brasil, para dar segurança jurídica a uma realidade que já existe em diversas. São Luís, Florianópolis, por exemplo, são duas cidades das cidades mais impactadas”, afirmou o senador , na sessão em agosto do ano passado.
O relatório do senador é favorável à medida, argumentando que o atual conceito de marinha causa inseguranças jurídicas quanto às propriedades de edificações nesses locais. “É imperioso enfrentar esse tema e conferir soluções mais adequadas para a população que vive sob os influxos das marés”, afirma o relatório.
Os terrenos de marinha são faixas na costa marítima que foram definidas com base em uma linha imaginária da maré alta do ano de 1831. Ela se estende por 33 m em direção à terra firme.
O texto da PEC mantém o domínio da União áreas usadas pelo serviço público federal, unidades ambientais federais e terrenos não ocupados. Autoriza, porém, transferências para os estados e municípios como áreas que são usadas pelos serviços dessas entes.
Proprietários e ocupantes de imóveis inscritos junto ao órgão de gestão do patrimônio da União ou não inscritos, mas que tenham ocupado o local pelo menos cinco anos antes da publicação da emenda constitucional, também são abrangidos pelo texto.
A PEC prevê que a União faça a cessão onerosa dessas áreas, ou seja, seus ocupantes serão obrigados a comprar o terreno.
Nota técnica do Grupo de Trabalho para Uso e Conservação Marinha, da Frente Parlamentar Ambientalista do Congresso Nacional, afirma que a proposta, que parece ser um simples ato administrativo para desonerar o uso destas áreas representa uma “grave ameaça ambiental às praias, ilhas, margens de rios, lagoas e mangues brasileiros e um aval para a indústria imobiliária degradar, além de expulsar comunidades tradicionais de seus territórios”.
Folha de São Paulo