Sob crítica de indígenas, voto de Moraes no marco temporal vira alternativa para o Congresso

Amplamente criticado pelos movimentos indígenas , o voto do ministro Alexandre de Moraes sobre o marco temporal no STF (Supremo Tribunal Federal) agradou à bancada ruralista e aponta para um caminho possível para o projeto de lei que tramita no Congresso.

A principal estratégia de parlamentares ligada ao setor do agro, no entanto, segue sendo aprovada a matéria como está e antes que o tema seja apreciado pelo STF . Já o governo de Luiz Inácio Lula da Silva ( PT ) pressionou pelo inverso: que a corte derrube a tese do marco e invalide o projeto no Legislativo.

Neste cenário, ganha força no Congresso a ideia de um caminho alternativo, calcado no voto de Moraes.

Por um lado, o ministro decidiu contra a criação de um marco temporal —este que determina que as terras indígenas devem se restringir à área ocupada pelos povos na data da promulgação da Constituição Federal de 1988.

Por outro lado, ele cria uma série de condições para a demarcação dos territórios. Entre elas a previsão de indenização aos donos atuais, dispositivo que agrada aos ruralistas e é criticado pelos indígenas.

O presidente do Senado , Rodrigo Pacheco ( PSD -MG), tem sinalizado que o voto de Moraes pode servir de base para a construção de um texto alternativo, que teria menos resistência e mais chance de ser aprovado no Legislativo.

O Supremo retomou o julgamento nesta quarta-feira (30), após o ministro André Mendonça pedir vistas, sob protestos dos movimentos indígenas e apreensão quanto ao voto de Cristiano Zanin .

O texto do marco temporal que tramita no Congresso abre espaço para exploração de recursos naturais nos territórios —em atividades como garimpo e hidrelétricas—, flexibiliza as restrições para o contato com povos isolados e permite parcerias de indígenas com não indígenas.

Ainda que os militantes da bancada ruralista se concentrem em aprovar o projeto da forma como está, caso o voto de Moraes saia vencedor na corte e declare o marco inconstitucional, a estratégia seria utilizar as condicionantes defendidas pelo ministro como base para avançar no Congresso um texto com a previsão de exploração dos recursos e de indenização, por exemplo.

A principal alternativa seria, então, produzida a PEC (Proposta de Emenda à Constituição)132, um outro projeto que prevê justamente o pagamento por demarcações, e acrescenta nela ou em outros projetos os demais pontos reivindicados pelos ruralistas. A avaliação da bancada é que essa possibilidade teria mais apoio.

Pacheco já fez acenos ao voto de Alexandre de Moraes. Em discurso durante evento de sustentabilidade na semana passada, pediu a “defesa dos direitos indígenas” levando em consideração terras “que já estão ocupadas por colonos”.

“Temos que ter um meio termo; aquela parte que foi eventualmente lesada, que seja indenizada. Me parece o voto médio no Supremo Tribunal Federal, promovido pelo ministro Alexandre de Moraes”, disse.

Esse é o ponto mais criticado pelos indígenas. “[Essa visão] prêmio com preferência prévia vultosa quem no passado foi diretamente responsável pela expulsão dos indígenas de seus territórios”, afirma Vera Yapua, assessora jurídica da CGY (Comissão Guarani Yvyrupa).

A comissão critica a proposta e afirma que, na prática, ela pode inviabilizar a demarcação dos territórios, pelo custo dos pagamentos e por tornar o processo ainda mais lento e complexo.

Segundo projeto da CGY, tendo como parâmetro o que ocorre com a titulação de terras quilombolas (que tem indenização), “seriam [necessários] pelo menos 290 anos para concluir os 239 processos de demarcação de terras indígenas já em curso” no âmbito do governo Federal.

Em um parecer técnico feito a pedido da Comissão Arns, o advogado e professor Daniel Sarmento afirma que a indenização é inconstitucional pois “ofenderia uma das dimensões do princípio da dignidade da pessoa humana, que é o direito ao reconhecimento”.

“O pagamento de indenização daqueles que violaram gravemente os direitos indígenas —ou aos seus sucessores—, expulsando essas comunidades das terras, muitas vezes com grave violência, seria humilhação adicional para esses povos”, escreve.

O movimento indígena argumenta que não pode haver um marco temporal para a demarcação, uma vez que o direito dos povos com relação a elas é anterior inclusivo à criação do Estado, e aponta que a Constituição fala em “terras indígenas tecnologicamente avançadas”.

Esta foi a base do voto do relator da matéria no STF, Edison Fachin.

Por outro lado, a tese é defendida pelos ruralistas. Ela institui que sejam considerados territórios indígenas aqueles ocupados pelos povos em 1988, na data da promulgação da Constituição, sob argumento de proporcionar maior segurança jurídica. Foi o entendimento de Kassio Nunes.

O projeto de lei do marco temporal foi aprovado pelos deputados no primeiro semestre, em uma sequência de derrotas da pauta ambiental do governo Lula no Congresso.

À época, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pautou a votação justamente quando o STF marcou a retomada do julgamento.

No Senado, Pacheco tem dito que dará à matéria o mesmo tratamento de outros temas polêmicos, como o projeto de lei dos agrotóxicos —apelidado pelos críticos do PL do Veneno. Ou seja, passando por comissões.

O projeto já passou pela Agricultura, e agora deve ir para a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça).

A interlocutores, Pacheco disse que a proposta só será pautada pelo presidente da comissão, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), após o feriado de 7 de setembro.

“A gente considera que o voto do Alexandre de Moraes é muito melhor que o voto do Fachin, infinitamente melhor, e que deve formar maioria. Mas precisa de algumas alterações e modulações, como o reconhecimento do marco temporal”, disse o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, Pedro Lupion (PP-PR).

COMO JÁ VOTARAM OS MINISTROS DO STF SOBRE O MARCO TEMPORAL
Edson Fachin, contra

O relator argumenta que o direito dos povos indígenas às terras é anterior à criação do Estado e que, por isso, não deve ser definido por nenhum marco temporal. Lembrou que a Constituição define os direitos indígenas como fundamentais e diz que os povos têm “direitos originários sobre as terras que ocupam tradições”

Nunes Marques, um favor

Indicado por Bolsonaro, ele divergiu do relator e afirmou, em seu voto, que o marco cria segurança jurídica para as demarcações. Ele fez o entendimento criado no julgamento da terra Raposa Serra do Sol, que instituiu a tese pela primeira vez no Supremo

Alexandre de Moraes, divergente

O ministro foi contra a instituição de um marco temporal, mas abriu a possibilidade da criação de condicionantes para a demarcação de terras —como no caso da Raposa Serra do Sol—, dentre elas, a indenização de quem ficaria sem a área para o território fosse delegado aos indígenas

FOLHA SP

Postado em 30 de agosto de 2023