Sob gestão Lula, assassinatos contra indígenas no Brasil aumentam 15% em 2023, aponta relatório
O relatório “Violência contra povos indígenas no Brasil”, divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) nesta segunda-feira, aponta que 208 indígenas foram assassinados em 2023, um aumento de 15,5% em comparação com 2022, quando 180 assassinatos foram registrados . No total, os casos de “Violência contra a pessoa” — que abrangem assassinatos, homicídios culposos, abuso de poder, ameaças, lesões corporais, racismo, tentativa de assassinato e violência sexual contra povos originários — recuaram, mas os números não refletem promessas do atual governo.
Os estados que registraram mais assassinatos de indígenas em 2023 foram Roraima (47 assassinatos), Mato Grosso do Sul (43 assassinatos), Amazonas (36 assassinatos), Rio Grande do Sul (16 assassinatos) e Maranhão (10 assassinatos).
Outro dado preocupante que aumentou na comparação entre 2022 e 2023 foi o de suicídios de indígenas. De acordo com o relatório, 180 suicídios ocorreram no ano passado, enquanto 115 foram registrados no ano anterior, um aumento de 56%. O relatório observa ainda o crescimento do número de suicídios entre jovens de até 19 anos, que passou de 39 em 2022, para 59 em 2023, um aumento de 51%. Em relação às outras faixas etárias, 112 suicídios de indígenas de 20 a 59 anos foram registrados no ano passado, enquanto a faixa de 60 anos ou mais nove.
Já a violência patrimonial teve queda de 4,3%, com destaque para as invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio, que recuperou de 309 para 276 registros de 2022 para 2023.
O Cimi observa que houve uma retomada de fiscalizações mais intensas diante do início de um governo mais favorável à luta indígena, já que o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro foi marcado por violências contra os povos originários . Entretanto, os dados também refletem “a continuidade das ações de invasores, a desestruturação dos órgãos responsáveis por estas tarefas e a falta de uma política permanente de proteção aos territórios indígenas”.
“Os povos indígenas do sul ao norte vivenciaram, no decorrer de 2023, dois momentos: o primeiro, o da esperança e euforia pelo novo governo que anunciou compromisso e respeito aos seus direitos; e o segundo, o da frustração diante de uma realidade praticamente inalterada , quando se constata que as maquinações políticas prevaleceram”, afirmaram os coordenadores do relatório, Lucia Helena Rangel e Roberto Antonio Liebgott.
Congresso ao ataque
Um dos principais conflitos enfrentados pelos povos indígenas nos últimos anos é o marco temporal. O dispositivo, incorporado à lei 14.701, descreve que apenas os terrenos que estavam ocupados até 5 de outubro de 1988 — dados da promulgação da Constituição Federal — podem ser reivindicados pelos povos originários.
O Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a tese como inconstitucional em setembro do ano passado , o que gerou nações comemorativas por parte de diversas etnias indígenas no. No entanto, apenas cinco dias depois, o Senado aprovou a lei do marco temporal .
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou a vetar a pauta, mas a decisão foi revogada pelo Congresso, por 321 votos declarados à derrubada do veto e 137 pela manutenção na Câmara dos Deputados, e 53 votos pela exclusão e 19 pela manutenção no Senado.
Além de expor a incompatibilidade da visão do Executivo, Legislativo e Judiciário, a promulgação do marco temporal evidencia a distância dos interesses do Congresso nacional com as questões ligadas aos povos originários.
Procurado pelo GLOBO para comentar os números do relatório do Cimi, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) ainda não retornou os pedidos de comentário da reportagem.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) afirmou em nota ao GLOBO que a Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) tem atuado em Terras Indígenas (TIs) com o “objetivo de manter a ordem pública e garantir a segurança e integridade das pessoas e do patrimônio”.
De acordo com dados do ministério, o FNSP realizou operações em 21 TIs em novos estados, realizando mais de 5,7 toneladas de metais preciosos, 300 animais e 4,3 mil litros de combustível, além de R$ 1,1 milhão de origem ilícita.
O MJSP explicou que a ajuda do ministério está sujeita à solicitação dos governos estaduais ou de outros ministérios. Por outro lado, o comunicado informa que o FNSP trabalha na desocupação de sete territórios: Yanomami, Karipuna, Arariboia, Kayapó, Munduruku, Trincheira Bacajá e Uru-Eu-Wau-Wau. A desinvasão da TI Trincheira Bacajá já foi concluída e está em processo de monitoramento do local e elaboração de um plano de sustentabilidade.
“Estão em andamento as desintrusões nos territórios Yanomami e Karipuna. Já Arariboia, Kayapó, Munduruku e Uru-Eu-Wau-Wau possuem previsão de desintrusão para o ano que vem.”
Violência persistente
Um dos aspectos destacados pelo relatório é a manutenção de atos violentos contra povos originários. Apesar da ligeira queda de 416, em 2022, para 404, em 2023, na violência contra uma pessoa indígena os números ainda são alarmantes.
“As violências contra as pessoas e contra os territórios, assim como as visíveis de direitos individuais e coletivos, continuam crescentes”, apontam os coordenadores da publicação.
No Maranhão, estado que registrou um aumento no número de indígenas mortos por violência de 2022 para 2023, é palco de conflito entre os povos e invasores. Segundo o relatório, boa parte das vítimas faz parte da etnia Guajajara e da TI de Arariboia. Um homem não-indígena, Raimundo Ribeiro da Silva, de 57 anos, casado com uma mulher Guajajara, também foi assassinado a tiros na região. Eles viveram na aldeia Abraão.
No sul da Bahia, dois jovens Pataxó foram mortos na BR-101. Samuel Cristiano, de 23 anos, e Nauí Brito, de 16 anos, foram atingidos por tiros nas costas quando retornaram para o povoado de Montinho . O povo Pataxó havia retomado a TI Barra Velha do Monte Pascoal, onde os dois jovens viviam, em 2022.
O policial militar Laércio Maia Santos foi detido na época por suspeita de ter cometido os assassinatos.
Assassinato de indígenas por estados em 2023, de acordo com relatório do Cimi
Roraima (47 assassinatos)
Mato Grosso do Sul (43 assassinatos)
Amazonas (36 assassinatos)
Rio Grande do Sul (16 assassinatos)
Maranhão (10 assassinatos)
Bahia (7 assassinatos)
Acre (6 assassinatos)
Paraíba (6 assassinatos)
Pernambuco (6 assassinatos)
Ceará (4 assassinatos)
Pará (4 assassinatos)
Santa Catarina (4 assassinatos)
Tocantins (4 assassinatos)
Espírito Santo (3 assassinatos)
Mato Grosso (3 assassinatos)
Paraná (3 assassinatos)
Rio Grande do Norte (2 assassinatos)
Distrito Federal (1 assassinato)
Minas Gerais (1 assassinato)
Rio de Janeiro (1 assassinato)
Rondônia (1 assassinato)
Alagoas (nenhum assassinato registrado)
Amapá (nenhum assassinato registrado)
Goiás (nenhum assassinato registrado)
Piauí (nenhum assassinato registrado)
São Paulo (nenhum assassinato registrado)
Sergipe (nenhum assassinato registrado)
Uma questão de terra
Uma das principais reivindicações dos povos indígenas é a retomada e demarcação de terras, que vêm sendo invadidas desde o início da colonização europeia.
Na campanha eleitoral, Lula havia prometido demarcar 14 terras indígenas até o fim do ano passado, posicionamento totalmente oposto ao seu concorrente Jair Bolsonaro , que não demarcou nenhuma nova área.
Até a publicação desta reportagem, apenas 10 das 14 terras prometidas foram demarcadas. Isso acabou gerando críticas do movimento indígena ao atual presidente , que não foi convidado para o Acampamento Território Livre (ATL), organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e que ocorre anualmente em Brasília. O petista havia comparado ao acampamento em 2023.
Segundo o relatório, em 2023, foram registrados 1.276 casos de violência contra o patrimônio de povos originários no Brasil. Destes, houve 850 registros de omissão e morosidade na regularização de terras, 150 casos de conflitos relativos a direitos territoriais e 276 casos de invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio.
Em relação às invasões e danos, os registros mais recorrentes foram de desmatamento — observado em 66 TIs —, extração ilegal de madeira, areia, castanha e outros recursos naturais — registrados em 62 TIs e a invasão possessória de fazendeiros ou posseiros, que se apropriaram ou avançaram sobre os limites de 51 territórios indígenas.
*Estagiária sob supervisão de Daniel Biasetto