STF sob Barroso ignora Lei de Acesso e omite dados de viagens de ministros

O STF (Supremo Tribunal Federal) omitiu dados sobre viagens dos ministros da corte em pedidos feitos pela Folha por meio da LAI (Lei de Acesso à Informação).

O tribunal, sob o comando do ministro Luís Roberto Barroso , não disse ter informações sobre eventos internacionais que tiveram a presença dos membros do órgão. O Supremo ainda indicou para pesquisa uma página com dados desatualizados sobre despesas com servidores.

O link não mostra, por exemplo, as diárias de quase R$ 100 mil pagas a uma segurança do ministro Dias Toffoli que o acompanhou em viagens para Londres , no Reino Unido , e a Madri, na Espanha. Também não permite localizar as diárias de quase R$ 40 mil pagas, também para a segurança de Toffoli, semanas mais tarde por outra viagem ao Reino Unido.

“O tribunal não tem informações sobre eventos internacionais que tiveram a participação do ministro Dias Toffoli, e as despesas com segurança em viagem internacional do mesmo ministro no período solicitado estão no portal de transparência. As informações sobre segurança institucional são protegidas, mas o tribunal divulga o total de despesas realizadas”, disse a pasta em uma das respostas enviadas via LAI.

No início da noite deste domingo (21), após a publicação desta reportagem, Barroso disse em nota que o texto da Folha contém “imprecisão e injustiça”. Ele também afirmou que “não faz qualquer sentido” a referência ao seu nome no título da reportagem. “A personalização mais se aproxima da maldade”, disse o presidente do STF (leia a íntegra da nota ao final desta reportagem).

Nas últimas semanas, uma reportagem dirigiu cinco pedidos de acesso à informação para o STF relacionados às viagens internacionais feitas em abril e maio pelos ministros Toffoli, Alexandre de Moraes , Kassio Nunes Marques , Gilmar Mendes e o presidente do órgão, Barroso.

Em quatro casos, o STF afirmou que não há informações sobre os eventos internacionais dos ministros e indicou o site que mostra dados gerais sobre as despesas do Supremo.

Apenas a resposta sobre Barroso o tribunal disse que os valores pagos nas viagens do ministro estão no portal da transparência, mas o próprio órgão competente que as informações sobre passagens aéreas estão desatualizadas.

Em nota, a assessoria do Supremo disse que o Órgão é obrigado apenas a dar informações das quais têm conhecimento.

“Nos casos solicitados pela reportagem, o tribunal não tem os dados porque não se tratou de viagem em representação institucional. Portanto não se pode falar em omissão. Todas as informações disponíveis, como eventuais diárias ou passagens, estão no site da transparência”, disse o STF.

A Folha pediu, entre outros dados, as listas de eventos com a presença dos ministros, os gastos relacionados às viagens dos magistrados, as seguranças e os assessores, os convites enviados pela organização dos eventos e as informações sobre eventuais pagamentos de despesas ou caches feitos por empresas ou pessoas de fora do tribunal.

Os processos via LAI ainda incluíram perguntas sobre eventuais acompanhantes levados ao evento, em quais hotéis os magistrados se hospedaram, voos utilizados, relatórios das viagens e a integridade das apresentações feitas por eles em cada agenda no exterior.

Em abril, a imprensa foi barrada em evento realizado em Londres e organizado pelo Grupo Voto, com a presença de Gilmar, Moraes e Toffoli, entre outras autoridades do Poder Judiciário. Tampouco houve transmissão do chamado “1º Fórum Jurídico —Brasil de Ideias”, também em Londres. Ou seja, não foi possível acompanhar as falas dos ministros.

O STF bancou diárias de uma segurança de Toffoli no evento de Londres, além de outra agenda na Espanha. As despesas de quase R$ 100 mil apenas com essa segurança exigem ao pagamento de 25 diários internacionais, de 23 de abril a 17 de maio, e foram localizadas por meio do Siga Brasil, portal organizado pelo Senado e que usa informações do Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira).

Já os dados apresentados no link indicado pelo STF ao responder aos questionamentos por meio da LAI não mostram as despesas da segurança de Toffoli. Isso porque a página sobre “auxílios e indenizações” tem informações de passagens somente até 2023 e das diárias internacionais pagas até abril de 2024.

Em uma das respostas, relacionadas às viagens de Barroso, o STF disse que os dados deste ano de passagens da corte “estão sendo atualizados para disponibilização”.

O advogado Bruno Morassutti, colunista da Folha e cofundador da Fiquem Sabendo, agência de dados especializada na LAI, disse que, se o link indicado na resposta não tem dados atualizados, não se pode considerar que a demanda tenha sido atendida.

Ele também afirma que o Supremo deveria apresentar os dados dessas viagens, ainda que não conste expressamente na lei essa exigência.

Os ministros do STF estão sob pressão devido à falta de transparência sobre as viagens para eventos na Europa , sobre as quais não divulgaram informações como custeio e período fora do Brasil.

O Grupo Voto, que especifica o evento de Londres, é presidido pelo cientista político Karim Miskulin . Em 2022, nas vésperas da campanha eleitoral, ela promoveu almoço de Jair Bolsonaro (PL) com 135 empresárias e executivas no hotel Palácio Tangará, em São Paulo.

Empresas com ações nos tribunais superiores bancaram palestrantes ou patrocinaram o mesmo evento. Entre eles, estão a indústria de cigarros BAT Brasil (British American Tobacco) —antiga Souza Cruz— e o Banco Master.

Toffoli disse, no início de maio, quando ainda estava em Madri, que as reportagens a respeito das viagens dos magistrados à Europa para participar de eventos jurídicos de outras instituições são “absolutamente inconvenientes, incorretas e injustas”.

“É o tribunal que, no ano passado, tomou colegiadamente mais de 15 mil decisões. Então, esses assuntos são absolutamente desnecessários, incorretos e injustos”, afirmou, ao ser questionado pelo jornal.

Pelas regras do STF, os valores para diárias internacionais são de US$ 959,40 (cerca de R$ 5.373) para ministros e US$ 671,58 (aproximadamente R$ 3.761) para demais beneficiários.

Os recursos são pagos antecipadamente, de uma só vez, exceto em casos de afastamentos emergenciais; ou quando compreender período superior a 15 dias, quando segundo poderá ser pago em parcelas, a norma.

Em outro pedido de informação feito pela reportagem respondida em junho, o STF também se negou a apresentar as justificativas e as notas decorrentes dos gastos em diárias internacionais concedidas aos seus funcionários.

Por meio da Ouvidoria, a diretoria-geral respondeu que os dados passíveis de divulgação referentes a passagens e diários são os que estão disponíveis na página de transparência do STF.

O corte justificou que as informações pedidas não poderiam ser respondidas devido à LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados). A norma, em vigor desde 2020, tem servido como argumento para negativas de pedidos de acesso à informação por diferentes órgãos públicos.

O STF alegou que tais dados poderiam trazer informações bancárias de beneficiários e resultar em risco à segurança institucional do tribunal ou de seus servidores, “razão pela qual não é possível fornecer a integridade de notas e comprovantes”.

A CGU (Controladoria-Geral da União) orienta em recursos que, nesses casos, as informações sensíveis devem ser tarjadas e enviadas.

LEIA NOTA DO PRESIDENTE DO STF APÓS PUBLICAÇÃO DA REPORTAGEM:
A matéria “STF sob Barroso ignora Lei de Acesso e omite dados de viagens de ministros” contém imprecisão e injustiça. O Supremo Tribunal Federal reitera que não paga passagens internacionais de ministros, salvo como faz o Presidente, quando em viagem institucional, ou de outro ministro que represente a Presidência. Ainda assim, na maior parte dos casos, o Presidente viaja a convite e não há custos para o tribunal. Simplesmente não existem essas despesas para os cofres públicos com os demais ministros e é por isso que não constam do portal da transparência. A matéria chama esse não fato de omissão. Já anteriormente se publicou, também erradamente, que as viagens seriam de primeira classe, o que nunca ocorreu. E, como natural, o tribunal não monitora nem é responsável por despesas privadas de seus membros. Já os dados com viagens de segurança (sempre em classe econômica) que acompanham ministros são divulgados regular e integralmente, de modo agregado, apenas sem individualizar o nome dos agentes, por motivos óbvios de preservação de suas identidades. De uns tempos para cá, infelizmente, o tribunal ampliou as despesas com a segurança dos ministros, em razão da onda de ódio que se disseminou no país. Por fim, a referência ao “sob Barroso” não faz qualquer sentido: desde sempre ministros viajaram para eventos internacionais. A personalização mais se aproxima da maldade. O tribunal, como qualquer instituição humana, é passível de erros e de críticas. Porém, tem sido essencial para a preservação da democracia e para grandes avanços sociais em favor de mulheres, negros, comunidade LGBT, indígenas e da proteção ambiental, entre muitos outros. E, por isso mesmo, oposição e ressentimentos. É muito importante que a Folha, igualmente necessária para a proteção desses valores, não forneça material equivocado para a ampliação de ataques injustos.

Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal

Folha de São Paulo

Postado em 23 de julho de 2024