‘Superbloco’ de siglas de centro-direita embaralha jogo político na Câmara

Na última campanha à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva declarou que, frente ao desafio de montar a sua futura base em um Congresso que saiu das urnas mais inclinado à direita, daria cabo da tarefa por meio de muita conversa com todos os partidos . O esforço tentaria passar ao largo das estratégias adotadas em suas gestões anteriores, quando a busca de apoio no Legislativo acabou desembocando em escândalos como mensalão e petrolão. Passados ​​quase 100 dias desde a posse e com os novos deputados e senadores já há dois meses nos seus postos, a situação, no entanto, se mostra bastante nebulosa, com muitas dúvidas sobre o tamanho real da tropa governista — o que cria algum pensamento sobre a capacidade de aprovar medidas cruciais para o mandatário, como o novo arcabouço fiscal e a reforma tributária.

O que já estava confuso ficou ainda mais embaçado nos últimos dias com uma movimentação de deputados que não estava no radar: a formação de um bloco na Câmara com 142 deputados e cinco partidos, que já nasceu com tamanho suficiente (mais de um quarto dos 513 parlamentares) para ser protagonista no jogo legislativo. Formado por MDB, PSD, Republicanos, Podemos e PSC, o grupo já é maior que o bloco de partidos de esquerda que deu sustentação a Lula na campanha e praticamente se iguala à soma da dupla PL-PP, as legendas que se comportaram como oposição ( veja o quadro). A nova frente surpreendeu também porque se apresentou com partidos que têm cargas no governo, como MDB e PSD, e outros longe da influência de Lula, como os Republicanos, que apoiaram Jair Bolsonaro na eleição e sempre comungou da cartilha do Centrão chefiado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

O “superbloco”, como tem sido chamado, tem, ao menos por ora, uma tendência a ajudar o governo. “No nosso bloco, hoje, 70% é governista”, afirma Fábio Macedo (Podemos-MA), o líder da frente. Parlamentar pouco conhecido, que tem proximidade com o ministro Flávio Dino (Justiça), ele já mostra disposição para apoiar projetos importantes de Lula que estão na Casa. “Tem duas MPs de grande importância, que são as do Bolsa Família e do Minha Casa, Minha Vida, e que com certeza, com muita boa vontade, vamos dar andamento”, diz.

Único bloco formalizado até agora na Câmara (o Centrão tem uma composição mais solta), a nova frente nasce, em tese, com muita bala na agulha. Com votações de grande porte ainda não iniciadas e em meio à queda de braço entre Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), pelo controle do rito das MPs, o grupo tem potencial para provocar alguma reconfiguração do jogo de forças no Legislativo. Um ponto importante é a formação das comissões erradas para analisar as MPs. Apesar de estar nas mãos de Lira esse poder, será preciso obedecer ao seguido da proporcionalidade, o que faria com que o grupo estivesse com três das doze vagas nesses colegiados. Outro aspecto é a maior influência que o quinteto de siglas terá na definição das votações. Se antes o jogo estava concentrado entre governador e presidência da Câmara, agora há um bloco que, apesar da tendência governista, pode se colocar como empregado de Lira, dependendo do caso. Assim, a turma precisará ser ouvida também nas maiores decisões.

A nova frente surgiu no velho estilo de “fazer política”. As ocorreram simultaneamente a duas conversas frustradas para alianças — uma entre MDB e PSDB e outra entre PP e União Brasil. Essa última suscitou recepção entre os demais partidos, principalmente após a demonstração de força dada por Lira ao aprovar a PEC da Transição, muito cara ao governo Lula. A formalização do “superbloco” buscou neutralizar a influência de Lira e contorno com a atuação de três caciques importantes — Baleia Rossi (MDB), Gilberto Kassab (PSD) e Marcos Pereira (Republicanos), todos presidentes de suas siglas. Também pesou a necessidade de acomodar interesses regionais. Na Bahia, MDB e PSD são os principais aliados do PT, enquanto PP e União permaneceram do lado oposto na eleição. Já em São Paulo, MDB e PSD estão com o governador Tarcísio de Freitas, dos Republicanos, cuja direção há muito se levou do jogo de Lira e seu aliado Elmar Nascimento (União-BA). Nos bastidores, os caciques da frente dizem que eles querem se diferenciar da política “baseada no orçamento secreto” de Lira. É ver para acreditar. No horizonte, está até uma candidatura à Presidência da Câmara no ainda distante 2025.

Arthur Lira, um dos políticos mais poderosos no Congresso nos últimos anos, ensaia, claro, uma reação. Como o seu partido, PP, tem apenas 49 deputados, ele articula para construir outra frente, que teria o PL e a União Brasil, com quem voltou a negociar. Esse trio teria 207 deputados e não seria superado. No caso de uma eventual federação, a estimativa é que as processam avancem, sobretudo com a aproximação das eleições municipais. “A tendência é os partidos se afunilarem para ter mais tempo de televisão e mais acesso a recursos de campanha”, avalia Danilo Forte (União-CE), entusiasta de uma federação “programática” entre a sua legenda e o PP. Outra sigla cobiçada é o PSDB, que, apesar de ter se apresentado como terceira via em 2022, na Câmara sempre esteve mais ligada a Lira e a Bolsonaro.

VEJA

Postado em 11 de abril de 2023