Tarcísio envia projeto de privatização da Sabesp e diz que quer proteger a empresa

O governador de São Paulo , Tarcísio de Freitas (Republicanos), invejou nesta terça-feira (17) o projeto de lei de privatização da Sabesp para a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo.

A proposta foi encaminhada em regime de urgência, que garante um andamento mais célere na Casa. Segundo Tarcísio, a medida foi tomada para o projeto “ter prioridade em termo de debate e tramitação”.

O texto do PL foi apresentado pela manhã aos deputados estaduais que formam a base, em reunião no Palácio dos Bandeirantes. À noite, o governador concedeu entrevista coletiva para tratar da privatização da companhia de saneamento básico.

O governador afirmou que a desestatização é uma forma de proteger a empresa. Segundo ele, a Sabesp foi construída em cima de uma lógica de investimento cruzada, no qual municípios mais rentáveis ​​”financiam” a operação de cidades menos rentáveis ​​ou deficitárias.

Exemplo disso, de acordo com o governador, é que 80% da receita da Sabesp vem de apenas 11 cidades. Como os prazos de vencimento dos contratos variam, e os municípios são obrigados a abrir licitação para a prestação do serviço, Tarcísio disse que o risco é que a Sabesp venha a perder esses municípios responsáveis ​​por “bancar” os outros.

“Uma coisa que a gente tem procurado demonstrar, e que às vezes não é intuitiva, é que a desestatização é uma forma de proteger a empresa”, disse.

Com a privatização, o governo vai fazer a prorrogação de todos os contratos até 2060. “Uniformizando e garantindo o mercado da Sabesp até esse [prazo de] fechamento”, afirmou, na entrevista.

A privatização da Sabesp é considerada a joia da coroa da gestão de Tarcísio . Atualmente, o governo de São Paulo tem 50,3% da companhia. O restante das ações é negociado na Bolsa de São Paulo e na Bolsa de Nova York.

O modelo escolhido pelo governo paulista foi de seguimento. Nele, haverá uma oferta adicional de ações e, consequentemente, a diluição da participação acionária do estado. Será diferente do que aconteceu com a Eletrobras, privatizada em 2022, quando o governo federal optou pela diluição das ações na Bolsa.

“O governo estuda reduz sua participação na Sabesp para algo entre 15% e 30%. O percentual exato vai ser definido agora na atual fase de estudos”, disse Natália Resende, secretária estadual de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística.

Para a Sabesp, Tarcísio quer que a oferta subsequente de ações seja técnica para algumas ações de referência. Ou seja, direcionando para que alguns poucos investidores tenham maior controle da companhia.

“A gente não está falando de uma saída total da empresa, a gente não está falando de uma venda total. A gente está falando de uma diluição, de uma operação de follow on, onde a gente permanece sendo um dos principais acionistas da empresa. Isso é importante para garantir o cumprimento das metas, o cumprimento do contrato, para garantir o melhor em termos de regulação e o melhor em termos de saneamento”, disse Tarcísio.

O projeto de lei enviado à Alesp cria o Fausp (Fundo de Apoio à Universalização do Saneamento no Estado de São Paulo), destinado a provar recursos para ações de saneamento básico e garantir a modicidade tarifária.

Tarcísio afirmou que a tarifa não vai subir para segundo o consumidor, cláusula que está, ele, no PL.

O barateamento da tarifa será de duas formas. Primeiramente se dará com transporte de dinheiro na companhia. Segundo Resende, 30% do valor líquido obtido com a venda de ações será destinado à Fausp.

Uma outra maneira de garantir uma tarifa mais baixa a longo prazo será usar os dividendos pagos ao estado, reinjetando uma parte na companhia. “É uma forma de entregar diretamente para a população aquilo que é dela. Vamos por meio dos dividendos garantir que recebam modicidade tarifária”, disse o governador.

Questionado sobre se faria sentido o governo desestatizar uma companhia para reduzir a tarifa de uma empresa privada, Resende afirmou que não se trata de subsídio. Segundo ela, o estado vai usar seu próprio lucro para devolver um benefício ao cidadão.

“Não estamos subsidiando o privado”, destacou, acrescentando que a iniciativa vai chegar para tornar a companhia mais célere e ainda mais de referência.

Para a segurança, é natural que a chegada do setor privado aumente a eficiência, seja em custos, seja em governança. “Estou preocupado com o cidadão, por isso vou usar o lucro do estado para fazer isso.”

Antes da entrevista, na reunião com os deputados, Tarcísio disse que a Sabesp manterá seu nome, objeto social e sede mesmo se for privatizada . O projeto de lei inclui a possibilidade de o governo vetar mudanças no nome, no objeto social e na sede da empresa, por meio de uma “golden share”.

Golden share é um termo do mercado financeiro para se referir a uma “ação preferencial”, que dá poder de veto à administração pública em decisões específicas.

Isso ocorre porque, com a capitalização da companhia, o governo perde a condição de driver. A golden share é, portanto, uma forma de garantir que um acionista (no caso, o estado de São Paulo) terá “a última palavra” em temas sensíveis ou estratégicos.

Na prática, é um mecanismo para que o poder público continue tendo alguma ingerência em empresas importantes. A nível federal, por exemplo, o governo possui golden actions na Eletrobras, Vale, Embraer, entre outras companhias. No entanto, cada ação preferencial garante poderes diferentes.

CRONOGRAMA
A expectativa do Palácio dos Bandeirantes é aprovar a privatização na Alesp até o fim deste ano, cronograma considerado apertado, mas factível. Tarcísio afirmou estar “extremamente otimista” com o prazo.

O governador se reuniu com 60 deputados nesta terça e disse ter saído satisfeito com o resultado da conversa. O prazo regimental nesse caso, disse, deve se encerrar no final de novembro, e a previsão do governo é de que a votação do projeto na Alesp ocorrerá no começo de dezembro.

Tarcísio vem trabalhando para evitar que o calendário das eleições de 2024 prejudique a discussão. O tema é considerado sensível para diversos municípios, e eventuais mudanças nas prefeituras obrigarão o governo a reiniciar as conversas .

Além disso, Tarcísio tem hoje um aliado da Prefeitura de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB). A adesão ao capital é determinante para a implementação do projeto de privatização. Isso porque a maior parte da receita da Sabesp vem da capital, município dono do contrato de maior atratividade.

Em entrevista à Folha publicada nesta segunda-feira (16) , o deputado estadual Emídio de Souza (PT), que coordena a Frente Parlamentar Contra a Privatização da Sabesp, disse que Tarcísio corre para privatizar a companhia de saneamento porque teme uma eventual vitória de Guilherme Boulos (PSOL-SP).

Pré-candidato com apoio do PT, Boulos liderou a pesquisa Datafolha com 32% das intenções de voto (ante 24% de Nunes, segundo colocado), e se opõe à privatização da Sabesp.

Segundo Emídio de Souza, uma mudança na Prefeitura pode enterrar o plano de desestatização.

PROJETO DE LEI X PEC
O envio de um projeto comum em vez de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) deve ser alvo de judicialização pela oposição.

Deputados contrários argumentaram que a Constituição do estado prevê que o serviço de água e esgoto será prestado por empresa pública de saneamento . Nessa lógica, privatizar exigiria alterar o texto constitucional, o que não ocorre via PL.

A interpretação parte do artigo 216 da Constituição paulista, que fala que o governo instituirá um plano plurianual de saneamento estabelecendo as diretrizes e os programas para as ações nesse campo.

“O Estado garantirá condições para a correta operação, ampliação e eficiência da administração dos serviços de saneamento básico prestados por entrega sob seu controle indireto”, diz o segundo parágrafo.

Sobre a possibilidade de judicialização, Tarcísio disse que quem trabalha com projetos de desestatização está acostumado com questionamentos. Na avaliação dele, as contestações não terão “fortaleza jurídica” e não deverão prosperar.

Para o governador, muitas vezes são formas de os parlamentares agradarem à própria base eleitoral.

Os advogados também discordam que o trecho traçado pelos deputados da oposição prevê que o serviço será prestado apenas por companhias públicas.

Luiz Felipe Pinto Lima Graziano, sócio do Giamundo Neto Advogados, afirma que o segundo parágrafo apenas disciplina a necessidade de o estado estabelecer as diretrizes para que a Sabesp preste os serviços de forma compatíveis com as metas de planejamento determinantes.

“Se fosse correta essa interpretação restritiva, não seria possível que nenhuma empresa privada operasse no estado de São Paulo”, diz.

Avaliação semelhante é feita por Carlos Eduardo Callado, sócio do escritório Callado, Petrin, Paes & Cezar Advogados.

Segundo ele, a Constituição estadual não determina que o saneamento seja, exclusivamente, para uma empresa sob controle acionário do estado —até porque tal previsão ofenderia a Constituição Federal.

“O serviço de saneamento, em regra, não é de titularidade do estado, e sim dos municípios, logo, não poderia a Constituição do Estado prever que a concessão em todo o território estadual fosse exclusiva para empresa com controle acionário do estado”, afirma.

Callado acrescenta que não há previsão constitucional proibindo a privatização da Sabesp ou de qualquer outra companhia, o que, por si só, dispensa a necessidade de uma PEC.

Folha de SP

Postado em 18 de outubro de 2023