Tragédia de Mariana: mineradoras e advogados disputam adesão de cidades em ações e acordos indenizatórios

Um mês após a repactuação do acordo de reparação pelos danos da tragédia de Mariana (MG), a adesão de municípios é motivo de disputa entre advogados e as mineradoras. Enquanto o escritório Pogust Goodhead pede R$ 52,4 bilhões em indenizações aos municípios na ação coletiva contra a BHP em Londres, 11 prefeituras já sinalizaram que vão aderir ao acordo recém-homologado no STF, com repasses de R$ 6,1 bilhões às 49 cidades impactadas. Quem aceitar, precisará abrir mão de qualquer ação no exterior.

Além de prometer indenização quase nove vezes maior que o previsto no acordo de repactuação, o escritório Pogust Goodhead se responsabilizou por todas as despesas na preparação da ação inglesa, desde passagens aéreas, alimentação e hospedagem de cerca de dois mil advogados, no Brasil ou na Inglaterra. Houve até assinatura de um termo que adiantaria R$ 630 mil a Ipatinga (MG). Procurada, a prefeitura não retornou. Já o Pogust Goodhead disse que houve o termo contratual, mas o pagamento não foi feito. Os honorários do escritório equivalem à porcentagem de 20% sobre o valor bruto da causa em caso de vitória, modelo questionado no Supremo Tribunal Federal (STF).

Descontentes com o ritmo lento das reparações, 37 das 49 cidades contempladas no novo acordo brasileiro fecharam, nos últimos anos, contratos com o escritório internacional, que ainda representa outros nove municípios que ficaram fora da repactuação. A firma, com sede na Inglaterra e País de Gales, também representa 600 mil vítimas individuais, associações e empresas.

Já o novo acordo, firmado no final de outubro, definiu pagamento de mais R$ 100 bilhões — além dos R$ 70 bilhões pagos nos últimos 10 anos — por parte de BHP e Vale nos próximos 20 anos às vítimas na bacia do Rio Doce. Desse valor, R$ 6,1 bilhões serão destinados aos 49 municípios afetados pelo despejo dos resíduos na bacia do Rio Doce, em dez parcelas anuais.

O prazo para adesão é de 120 dias após o lançamento da plataforma digital que sistematizará os pagamentos, previsto para acontecer no início do ano que vem. Mas, quem comunicou o aceite à Samarco — joint venture formada pela BHP e pela Vale e responsável pelos pagamentos — até anteontem, receberá o adiantamento de uma parcela em dezembro. Os demais, receberão duas parcelas em maio de 2025. E as outras oito parcelas serão pagas anualmente em todo dia 30 de abril.

Pelo acordo, o recurso terá aplicação quase livre pelos municípios, ainda beneficiados por outras ações paralelas da repactuação, como recuperação ambiental e investimentos em saneamento básico. O dinheiro só não poderá ser usado para pagamento de pessoal, dívidas, despesas correntes em geral, honorários de ações judiciais e obras que gerem obrigações a outros entes sem consulta prévia.

Segundo apuração do GLOBO, as prefeituras de Córrego Novo, Iapu, Santana do Paraíso, Sobrália e Marliéria, de Minas Gerais, além de Anchieta, Conceição da Barra, Fundão, Linhares, São Mateus e Serra, do Espírito Santo, já comunicaram à Samarco que vão aderir ao acordo. Dessas, Córrego Novo, Sobrália, Conceição da Barra e São Mateus estão representadas na ação da Inglaterra, e teriam que abrir mão do processo, conforme estabelece uma cláusula do acordo brasileiro. Já Iapu participa de outra ação, também contra a BHP, na Holanda, ainda em fase preparatória. Procuradas, as prefeituras não se manifestaram.

A Samarco confirmou o número e disse que “conversas estão adiantadas com outras cidades interessadas”.

Já a Pogust Goodhead disse que não recebeu informação sobre desistência da ação em Londres. O escritório explica que o cálculo de R$ 52,4 bilhões em indenização só para municípios foi resultado da quantificação dos danos com base na legislação e jurisprudência brasileira, além de análise independente da consultora Kroll, de estudos produzidos por ONGs, universidades e da aplicação de normas internacionais de direitos humanos.

Para o levantamento dos danos, as prefeituras foram consultadas por quatro anos, segundo a Pogust Goodhead, com a atuação de dois mil advogados brasileiros. A principal fonte foram questionários de autodeclaração de perdas, análises de documentos, e reuniões presenciais. O julgamento está em curso em Londres e a sentença está prevista para meados do ano que vem.

Consultor em Direito Ambiental, o professor da Unirio Paulo Bessa considera o alto valor de R$ 52,4 bilhões um “canto da sereia”, pois, explica, o julgamento na corte inglesa é baseado no direito material e na legislação brasileira, que não costuma estabelecer valores tão altos.

— O parâmetro indenizatório tem que ser brasileiro, que até acho baixo, mas não tem como querer parâmetro de fora. Não vejo da onde tirou esse número, porque o parâmetro brasileiro não chega a isso — explica Bessa, que também é presidente da Comissão de Direito do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB).

Enquanto indenizações são discutidas, Bessa lamenta a absolvição da Vale, BHP e de 22 pessoas no processo criminal que apurava as responsabilidades pela tragédia, que matou 19 pessoas e contaminou o Rio Doce. A sentença de “insuficiência de provas” foi proferida no último dia 14, pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região.

— Ninguém é responsável? Foi um acaso? A experiência demonstra que essas instalações industriais têm relatórios, dados, sistematizados. Não é possível que essas informações todas que circularam tenham passado sem ninguém apontar problema, sem responsabilidade — afirma Paulo Bessa.

No mês passado, o ministro Flávio Dino, do STF, atendeu a um pedido do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) e proibiu que prefeituras contratem escritórios para atuação no exterior com pagamentos de honorários por êxito, ou seja, por valores atrelados a uma porcentagem da sentença.

Além disso, o ministro determinou a abertura dos contratos feitos pelos municípios mineiros, que agora podem ser consultados no processo do STF. O padrão de honorários da Pogust Goodhead é a porcentagem de 20% sobre o valor bruto a ser recebido no exterior. Em caso de derrota na Justiça inglesa, não haveria cobranças nem necessidade de reembolsos pelas despesas iniciais do escritório.

Procurado, o escritório Pogust Goodhead destacou que a decisão de Dino é liminar, sem análise de mérito e não “afeta a validade” dos contrários atuais. O escritório também disse que os “municípios clientes estão descontentes com os termos do acordo” e que a ação no STF tentou “criar uma cortina de fumaça para desviar o foco do verdadeiro problema: o impacto devastador decorrente do rompimento da Barragem de Fundão para a população, os municípios e o meio ambiente.”

Procurada, a BHP, que nega as acusações de responsabilidade pela tragédia na ação em Londres, não comentou.

Fonte: O Globo

Postado em 28 de novembro de 2024