Veto a caixas com música nas praias se alastra pelo país e divide banhistas
Popularizadas por serem simples de levar e com uma potência surpreendente para o tamanho, as caixinhas de som usadas por banhistas vêm provocando uma divisão nas praias do país. Os incômodos a quem não pediu para ouvir a música do vizinho areia de levaram à sua crescente chamada. Desde 2018, pelo menos 23 cidades em dez estados vetaram o aparelho, mas os mutirões de apreensão do equipamento por guardas municipais ao longo da costa brasileira mostram que a caixinha não vai ser abandonada apenas em respeito às normas.
Também presente no Nordeste, o movimento anticaixinha ganhou força no Sudeste e no Sul. Desde o começo de 2024, por exemplo, retirar fiscaisam 38 equipamentos nas areias do Guarujá, um dos principais pontos do litoral paulista — quem é flagrado pode ser multado em mais de R$ 1 mil. Um balanço divulgado pela prefeitura na última quinta-feira registrou ainda 484 advertências.
Já no litoral Sul do Espírito Santo, a Guarda Municipal de Marataízes levou 19 caixinhas de banhistas apenas na primeira semana de 2024. A capital do estado, Vitória, foi uma das primeiras cidades a proibir o uso de aparelhos no país, por meio de decreto publicado em 2018 que também veda o uso do som no modo alto-falante em veículos automotores. Entre outras cidades do Espírito Santo com proibições, está Serra, em que a tempestade é de R$ 5 mil.
No Rio, onde a restrição foi iniciada em janeiro de 2022, 48 equipamentos foram coletados em todo o ano passado. Quem se recusa a desligar ou som pode ser multado em um valor entre R$ 522 e R$ 5.221.
Os defensores da medida querem que ela se estenda a outras fontes de som, como quiosques. Mas aqueles que se habituaram à música na areia criticaram a restrição da restrição, mesmo admitindo que às vezes falta tino no volume.
— É ótimo ter uma música para animar. Eu acho que posso usar, sim, é só cada um se valer do bom senso. Mas esse é o problema: tem gente que abusa — afirma a publicitária Larissa Barreto, de 33 anos, que costuma ir a Búzios e Cabo Frio, onde as caixinhas são proibidas.
— Ninguém é obrigado a ouvir o que o outro quer — diz a profissional de mídia social Ana Luísa Rodrigues de Souza Antonioli, de 23 anos, que teve dor de cabeça com as caixas de som e a música dos quiosques em Canasvieiras, em Florianópolis.
Na capital catarinense, a Câmara Municipal arquivou em novembro um projeto de lei que vetava o equipamento por entender que havia uma “evidente inconstitucionalidade material” e falta de critérios bem definidos, acompanhando o parecer da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa.
Favorável às proibições, o professor de Engenharia Mecânica da Coppe-UFRJ Fernando Castro defende que a Restrição não deve se limitar às caixinhas:
— Tem que ser aplicado tanto a frequentadores quanto a quiosques e outros estabelecimentos na orla — afirma Castro, lembrando que a contenção da propagação do som é impossível no ambiente aberto da praia.
O contra-ataque das caixas de som vem na forma de novas formas de uso. No começo do mês, uma mulher foi criticada por cantar músicas de karaokê na praia de Florianópolis. Nos jornais locais, o subinspetor da Guarda Municipal Ricardo Pestana teve de lembrar que “não é justo ou plausível importar que todos ao seu redor escutem seu gosto musical” e recomendou fones de ouvido.
‘Sociedade mais regrada’
A polícia é vista com preocupação pelo antropólogo social Bernardo Conde, da PUC-RJ, que relaciona a falta de trilha sonora nas praias ao individualismo que diz estar mais presente entre frequentadores de maior renda. O resultado, aponta, pode ser a redução de interação social no espaço público.
— As camadas mais ricas tendem a caminhar mais para esse modelo individualista, enquanto as de menor renda, periferias e as zonas rurais ainda são muito marcadas pelas relações pessoais e pela proximidade, onde as coisas são negociadas sem o intermediário de tantas regras — afirma. — Há uma tendência de desaparecimento das caixas de som porque, à medida que a gente constrói uma sociedade mais regrada, em que os espaços vão sendo respeitados, essas ferramentas vão sumindo gradativamente.
O físico Paulo Henrique Castro, de 29 anos, que usa caixinhas nas praias da Zona Oeste do Rio “respeitando o bom senso”, lamenta:
— Se você frequenta o subúrbio, o que mais vai ver são casas e bares com som alto. Na Zona Sul não há tanto esse hábito de música e barulho. No fim das contas, é uma medida que acaba afetando basicamente só o pobre, porque toma como parâmetro o comportamento dessas classes mais altas.
O GLOBO