Vovó coruja, sambista e conselheira de Enem: conheça a professora morta em ataque dentro de escola de SP.
Professora de biologia, Elizabeth Tenreiro, de 71 anos, era “apaixonada pela sala de aula”. Discreta, era também “sambista de carteirinha” e tinha a alegria como marca, na descrição de familiares e amigos. Entre as últimas fotos no Facebook, ela aparece abraçada à filha, no Sambódromo de São Paulo. Era a vovó coruja dos netos e muito ligada aos três filhos. Além de Liciana, a caçula, com quem morava, era mãe de Marco Antônio, de 45 e de Fernanda, de 47. Formada pela PUC de São Paulo, ela também foi analista de alimentos no Instituto Adolfo Lutz.
Beth fez carreira no Instituto Adolfo Lutz e, depois de aposentada, prestou concurso para dar aulas na rede estadual paulista. No colégio Thomazia Montoro, Beth era recém-chegada: havia começado a lecionar lá este ano, mas já colecionava elogios dos estudantes.
Só sei dizer que ela amava dar aula — diz a filha Fernanda, que viu cedo pela TV o noticiário, mas que não fez logo uma relação entre as imagens assustadoras de pais e alunos na porta da Escola Estadual Thomazia Montoro, onde Beth, como era chamada a professora, trabalhava.
Pela manhã, um estudante de 13 anos atacou a facadas Elizabeth e outras três professoras e dois alunos do colégio que fica na Vila Sônia, na Zona Oeste de São Paulo. Beth foi a mais sofreu ferimentos. Chegou a ser levada ao hospital, mas sofreu uma parada cardiorrespiratória e não resistiu.
Fernanda conta que Marco Antônio saiu cedo para trabalhar e ficou sabendo do ocorrido por Liciana. A família ainda tenta entender o que aconteceu. O caçula soube do ocorrido por Liciana pelo menos duas horas depois do crime.
O agressor invadiu a escola por volta das 7h, e Marco Antônio tomou conhecimento de que algo errado acontecera por volta das 9h, mesmo assim sem saber a gravidade do ferimento da mãe.
Na rede social, Beth se declara corinthiana e afirma que gosta de música — “todas” —, como fez questão de pontuar. Conta que prefere os filmes de comédia e, entre programas de TV, declara preferência pelos de esportes. O aniversário de 71 anos foi em fevereiro. No mesmo mês, ela repostou uma foto da página da filha Liciana em que as duas aparecem abraçadas na frente de um carro alegórico, durante o desfile das escolas de samba. “Mamis comemorando niver em grande estilo!!! Nada como estar na avenida”, diz a filha. A mãe responde: “Eita! Que delícia!” Em outro post, este privado, a professora se mostra envaidecida com o fato de a neta estar aprendendo a tocar “Pérola Negra”. “Linda!”, elogia.
Beth brinca com um “meme” em que diz ter puxado o espírito de luta a mãe e que “o coração de ouro” do pai. A preocupação com os alunos era uma constante. Em novembro do ano passado, durante o período de provas do Enem, a professora fez as recomendações de última hora: “Desejo a todos os alunos uma ótima prova. Confiram o que precisam pra levar (documento, caneta, água). Use roupa confortável. Tenham calma que tudo dará certo. Boa prova!”. Em dezembro do ano passado, deixou registrado seus votos para de um 2023 “feliz para todos do face e no face”.
Além de fotos em que aparece curtindo filhos e netos, além de amigos — ela publicou uma foto com toda a equipe do Thomazia Montoro —, Beth também usava suas redes sociais para apoiar campanhas de melhoria salarial dos professores e a favor de campanhas de distribuição de absorventes, bandeira da luta feminista pela dignidade menstrual.
A professora também é lembrada com carinho pelos alunos. Beth Meira é mãe de uma aluna do Ensino Médio. Nesta segunda-feira pela manhã, ela já estava arrumada para sua corrida matinal quando recebeu uma mensagem da filha. A adolescente estava desesperada e relatava sobre o ataque. Já com a filha nos braços, ela conta que os comentários sobre Elizabeth eram sempre os melhores. Dizia ser apaixonada pelo que fazia.
– A minha filha sempre vinha da escola falando dela. Dizia que ela era muito querida, e que repetia que não precisaria mais estar dando aula, por conta da sua idade, mas que amava o que fazia e que isso a motivava – lamentou a mãe, que registrou todo o drama vivido esta manhã, do choque ao ver ambulâncias e viaturas da polícia cercando o colégio, até o esperado reencontro com a filha.
Nas redes sociais, amigos, colegas e estudantes revelaram estar perplexos com a tragédia: “Sempre te amei e sempre vou amar, lembrarei de tudo de bom que você já fez para mim, descanse em paz”, escreveu um dos alunos da professora nas redes sociais. “Vamos sentir muito sua falta. Não só eu, mas todos os alunos do Thomazia Montoro. Obrigada por cada momento, por cada aula e cada puxão de orelha. Obrigada por tudo”, afirmou outra estudante.
“Sem acreditar ainda que foi com você esse ocorrido na Escola Tomazia Montoro, deixará sua marca que era a alegria! Que Deus a receba nos braços! Ficará a saudade”, escreveu um amigo. Outra amiga também ressaltou a simpatia de Elizabeth e disse estar perplexa com a notícia do ataque: “Sempre quando nos falávamos eram coisas boas, sempre tinha uma palavra de incentivo, uma pessoa ligada no 220V com mil ideias, muito família e uma carnavalesca de carteirinha”, escreveu.
Outra amiga descreveu a professora como “muito querida, guerreira, estudiosa, daquelas mulheres porretas que criam gerações e ainda continuam na luta”. Segundo ela, Elizabeth fez faculdade já sendo avó, e era muito admirada pelas colegas. “Nunca tinha tempo ruim, e partiu fazendo o que amava. Bióloga, professora, colega, mãe, avó… que Deus te receba de braços abertos”, completou.
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