Zanin irrita grupos de esquerda, e direita vibra com ‘grata surpresa’ no STF
Indicado pelo presidente Lula ( PT ) para o STF (Supremo Tribunal Federal), o ministro Cristiano Zanin acumulou críticas de aliados do petista e elogios de opositores nesta quinta-feira (24) pelo voto solitário contra a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal .
Grupos de troca de mensagens de políticos do PT e de esquerda passaram em polvorosa na tarde e noite desta quinta, de acordo com relatos feitos à Folha .
Nas trocas de mensagens, o voto foi chamado de lastimável e até trágico. Militantes petistas também expressaram críticas a Lula, afirmando que, na indicação, o presidente não pesou as opiniões do ministro sobre temas caros para a base do PT, como as questões sociais.
Outro membro da cúpula do partido disse que Lula tem histórico de erros nas periodicidades para o corte, mas destacou ser ainda cedo para uma conclusão sobre o desempenho de Zanin com base nas votações recentes.
Na condição de anonimato, os deputados petistas lembraram que Zanin realça em sua biografia o fato de ser casado com a mesma mulher há 20 anos e que demonstra ser conservador e apegado ao formalismo, tendo apenas compromisso com Lula e com questões relativas ao regime democrático.
Um dos poucos a comentar abertamente o voto do ministro, o deputado Zeca Dirceu (PR), líder da bancada do PT, defendeu Zanin. “É muito cedo para fazer avaliação. Tenho plena confiança de que ele será um excelente ministro”.
Alguns apoiadores de Lula foram às redes sociais manifestando descontentamento com Zanin.
“Defenderei o voto no Lula em 2022 até a morte, mas classificado esse como seu maior erro até agora. Imperdoável, inexplicável e inaceitável. Temos agora 3 ministros ultraconservadores na corte”, escreveu o influenciador Felipe Neto.
“Lamentável o voto de Zanin. Descriminalizar a posse de drogas é essencial para combater o encarceramento em massa e a suposta ‘guerra às drogas’, que afeta sobretudo pobres e negros. A próxima indicação de Lula ao STF deve representar as lutas democráticas e progressistas” , escreveu a deputada Sâmia Bonfim (PSOL-SP).
“Mais do que nunca, precisamos de uma ministra negra e progressista no STF”, completou Erika Hilton (PSOL-SP).
Já políticos de centro-direita e de direita felicitaram o voto do ex-advogado de Lula.
“O [voto de] Zanin não me surpreende pelo fato de eu ter tido a oportunidade de recebê-lo antes de ele ser elevado ao cargo de ministro pelo Senado. Ele disse de forma clara e definitiva isso: ele, além de ser homem de família, tinha as convicções dele em defesa de uma sociedade saudável”, afirmou o deputado Silas Câmara (Republicanos-AM), líder da bancada evangélica no Congresso.
“Ele não enganou ninguém. Ele não foi o primeiro ministro indicado pela esquerda a fazer essa promessa [contra as drogas]. Todos os ministros andaram pelo Senado, fizeram a mesma promessa e traíram a palavra. E o Zanin, de forma firme, demonstra que tem berço, formação e vai se comportar como prometeu.”
O deputado bolsonarista Filipe Barros (PL-PR) destacou o que classifica como respeito às decisões do Congresso. “O voto do ministro Zanin demonstra o respeito à nossa Constituição Federal, que prevê a independência e harmonia entre os Poderes. O Congresso Nacional já se manifestou recentemente, no mínimo, duas vezes sobre o tema. Nessas graças, decidiu que é crime o porte de drogas.”
O senador Eduardo Girão (Novo-CE) corroborou a avaliação: “Foi uma grata surpresa. O julgamento é uma usurpação do trabalho que já fez duas vezes no Congresso Nacional em menos de 13 anos. O STF não está respeitando uma decisão do Congresso, mas essa posição do ministro Cristiano Zanin é uma posição que vai ao encontro do que os parlamentares fizeram.”
Menos de um mês após sua posse no STF, Zanin também acumulou outros posicionamentos em julgamentos contrários à expectativa de parte dos apoiadores de Lula.
Na semana passada, o ministro apresentou relatório para manter a declaração de dois homens acusados de furtar um macaco de carros, dois galões com combustível e uma garrafa enchida pela metade com óleo diesel —itens que, juntos, foram avaliados em R$ 100.
A defesa da dupla pediu o reconhecimento do princípio de insignificância, argumentando que os produtos furtados tinham baixo valor e foram recuperados pela vítima.
Zanin, porém, decidiu manter as declarações. Ele citou o entendimento do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que defende que as circunstâncias do crime de furto qualificado e a reincidência de um dos autores impedem a aplicação do princípio de insignificância.
“Tais condutas (reincidência e furto avançadas) denotam total desprezo pelos órgãos de perseguição penal, como se as suas condutas fossem criminalmente inalcançáveis”, disse o ministro.
Zanin ainda foi criticado por apoiadores de Lula por ter sido o único ministro do Supremo a votar contra a tipificação da homotransfobia como crime de injúria racial.
Após a repercussão negativa, o gabinete do ministro divulgou mensagem rebatendo as críticas, dizendo que a decisão se deu por questões processuais.
“Ele entende, e transcreve de forma fundamentada em seu voto, que o mérito do julgamento não poderia ser alterado por embargos de declaração, que serve apenas para esclarecer omissão, obscuridade, contradição ou erro material não julgado”, diz o texto.
O ministro também integrou a maioria do STF que decidiu mudar a regra e permitir que os juízes atuem em processos de clientes de escritórios de advocacia que tenham parentes dos próprios magistrados em seus quadros.
A regra examinada no Supremo referente ao próprio Zanin, que era sócio da esposa, a advogada Valeska Teixeira Zanin Martins, e outros ministros que têm esposas e filhos na advocacia, casos de Gilmar Mendes, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin.
Ex-advogado de Lula, Zanin foi indicado pelo presidente para uma das cadeiras do Supremo Tribunal Federal após a aposentadoria de Ricardo Lewandowski.
No périplo pelo Senado, em busca de apoio, ele apresentou posições conservadoras para aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), como Damares Alves (Republicanos-DF) e Hamilton Mourão (Republicanos-RS), e ganhou elogios de opositores de Lula .
Damares, por exemplo, considerou Zanin “muito inteligente”, “gostou muito dele como pessoa” e pediu que “ele fosse o ministro das crianças no STF”.
Zanin teve sua indicação ao STF aprovar pelo Senado por 58 votos a 18.
Folha de SP