‘Foi um trago, e minha vida mudou’: quem usa K9 narra piripaque devastador

Foi um trago, e minha vida mudou. K9 não é brincadeira, não. Os ‘cara’ falam que é maconha, mas não é. Os parceiros tudo babando, morando na rua. Fiquei magrelão, não comia, vomitava todos os dias e não tinha nada na barriga”.

O relato é de um jovem de 17 anos, morador de Guarulhos (SP), que conto ao UOL o que sentiu desde que experimentou pela primeira vez uma droga — que agora tenta abandonar.

“Vou te falar: tem que ser muito forte para conseguir parar de usar essa droga. Eu tentei me matar, tinha alucinação. Parecia que um espírito da morte queria me pegar. E quando a brisa passou, eu estava todo machucado e cortado”, diz.

A ‘brisa’ dura cerca de 10 minutos e é suficiente para viciar

“Dei dois tragos. Meu primo tirou o baseado da minha mão e disse que já estava bom. Falei que não tinha sentido nada, mas, passados ​​alguns segundos, começou a sentir como se tivesse uma tonelada nas minhas costas. Suava, meu coração batia forte, faltava o ar, sentia tontura. Pareciam 20 infartos.”

É assim que Cléber (preservamos o sobrenome), de 22 anos, começa a descrever o ‘Efeito zumbi’ ou o ‘Piripaque do Chaves’ — como aqueles que usam a chamada maconha sintética apelidaram a sensação causada pela nova droga.

“A sensação era de euforia, mas não consegui andar ou ter controle do meu corpo, dos braços ou das pernas. Fiquei desgovernado, me jogando de um lado para o outro. A brisa não é gostosa, dura 10 minutos e já vicia. Ou você morre dormindo… ou morre sem conseguir pedir ajuda.”

Vendida como K2, K4, ou K9, a “supermaconha” ou “maconha sintética” tem nada de maconha e muito de droga sintética.

Criada em laboratórios improvisados ​​para imitar os efeitos de um baseado no cérebro, a droga é uma mistura de substâncias químicas com solvente, que é borrifada em cigarros, ervas, papéis e até em outras drogas. Nos presídios, chegou nos selos e no papel sulfite (K4).

Os efeitos que têm chamado a atenção de quem usa são as taquicardias e a sensação de infarto . Foi de parada cardíaca que uma criança de 12 anos morreu em fevereiro, quando usava K2 em Diadema, na Grande São Paulo.

4h, fila na biqueira
Cléber também se surpreendeu com o poder viciante da “K”. Assim que o efeito passa, explica, o ponto de encontro dos usuários de drogas nas ruas cresce rapidamente:

A gente sabe que está se matando e, mesmo assim, não consegue parar. Meu corpo pedia, mas não era só comigo. Parecia um encontro na loja. Chegava às 4h na biqueira e já tinha uma fila de gente procurando. Os que tinham dinheiro para sustentar o vício, e os que não tinham.”

A dependência fez o jovem, que trabalha como barbeiro, vende as panelas de casa e revirar lixo atrás de recicláveis ​​para ter algum dinheiro. Fumava R$ 150 de K2 pela manhã, cerca de 30 baseados.

Não à toa, a K2 ganhou esse nome em alusão à segunda montanha mais alta do mundo depois do Everest. K4, K9 e K12 também fazem referência a outros picos altos e desafiadores . O PCC (Primeiro Comando da Capital) passou a chamá-la de “tempero”.

‘Ela te desmaia’
O ‘barato’ provocado pelos canabinóides sintéticos é característico e considerado 100 vezes mais forte do que o da maconha .

As substâncias sintéticas agem no mesmo receptor do THC (substância psicoativa da maconha) e atingiram tanto o sistema nervoso central quanto o sistema nervoso periférico, explica Maurício Yonamine, professor do Departamento de Análises Clínicas e Toxicológicas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP.

O efeito é intenso e causa:

alucinações auditivas e visuais,

angústia, ansiedade, hipertensão,

infarto agudo do miocárdio,

convulsões,

paralisia,

Psicose, depressão e ideação suicida, incluindo morte.

Em alguns momentos me senti bem, disposto; em outros, queriam me esconder. Ela mexe com o emocional, dá depressão . Quem usa não consegue dormir uma noite completa. Eu fumava dois baseados antes de dormir, mas, na real, ela te desmaia. E, quando você acorda, o corpo pede mais.”
Cléber, que diz que parou de consumir K2 em fevereiro

Em busca de uma saída, o barbeiro deixou Guarulhos e mudou de país. Hoje, use o TikTok para alertar para a “cilada” que é experimentar uma droga “pior que crack” que é propagandeada como um baseado mais forte.

Mais apreensões e internações
No Brasil, a maconha sintética chegou por volta de 2018 , mas acompanhada-se nos últimos anos da pandemia. O crescimento nas apreensões do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) foi de 600%, segundo dados de 2022.

Naquele ano, agentes do Denarc (Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico) apreenderam 12 kg de drogas “K” na capital e na região metropolitana de São Paulo. Até fins de março deste ano, já foram apreendidos 15 kg.

É um número alto, considerando que uma folha de tamanho A4 pesa 10 ge rende 1.200 “selos” (doses da droga).

Fontes da SSP-SP (Secretaria de Segurança Pública de São Paulo) disseram ao TAB que estão tratando a “K” como prioridade — e até o PCC decidiu proibir a droga na “cracolândia”, no centro da capital paulista, porque ela chama a atenção das autoridades, causa mortes rapidamente e prejudica os negócios.

O delegado Jair Ortiz, titular da 1ª Delegacia Seccional de São Paulo, retoma sua apreensão com o que vê nas ruas. A droga K, diz ele, “cozinha o cérebro”. “O usuário vira um zumbi.”

UOL

Postado em 30 de março de 2023