Novo bloqueio de emendas pelo STF provoca reação no Congresso

Deputados e senadores planejam uma reação à decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, que voltou a suspender as emendas parlamentares de comissão. O senador Ângelo Coronel (PSD-BA), relator do Orçamento de 2025, se disse surpreso com a determinação. Ele afirma que a ação “prejudica o Parlamento”, afeta a relação entre os Poderes e pode atrasar a votação da peça, que pode ficar só para o final de fevereiro ou o início de março.
A decisão de Dino afeta um grupo de 17 líderes de bancadas da Câmara. Eles apresentaram um ofício no qual apadrinham os R$ 4,2 bilhões em indicações de emendas de comissão. O Estadão mostrou que esse ofício viola decisão do STF. Procurado, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), disse que não irá se pronunciar.
O Estadão mostrou, porém, que esse projeto não cumpre os requisitos de transparência exigidos pelo STF e garante R$ 50,5 bilhões em recursos nas mãos dos parlamentares no Orçamento de 2025, deixando para o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e para a cúpula do Congresso o poder de barganhar apoio político com dinheiro público.
“Vamos votar tudo sem nenhuma tensão e que a independência dos Poderes não fique de novo sobre esse fogo cruzado”, diz o relator do Orçamento. Para ele, a decisão é redundante, porque o projeto de lei complementar aprovado pelo Congresso Nacional já prevê a transparência e rastreabilidade.
“Fica um desgaste em cima só de um lado, que é lado do Parlamento. Precisa ser analisado tudo dentro da rastreabilidade e da transparências, mas também temos que preservar a independência dos Poderes. Nenhum Poder pode ficar mais poderoso que o outro”, afirma o senador. “Vamos votar depois que soubermos as regras para não evitar surpresa na execução do Orçamento. Então, independentemente de mim, vamos fazer tudo com acordo em março e acabarmos isso aí e resolver os problemas do Brasil que precisam ser resolvidos com celeridade e precisam que os Poderes estejam harmônicos.”
Em novembro, o Estadão apontou que a Comissão Mista de Orçamento era vista entre deputados como a principal forma de “dar o troco” no governo em relação ao primeiro bloqueio de emendas decretado por Flávio Dino. Nesse cenário, o grupo deixaria de votar a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e o Orçamento em 2025, o que prejudicaria o planejamento do governo. A LDO foi votada na semana anterior, mas a outra matéria ficou para o próximo ano.
Lideranças partidárias da Câmara ouvidas pelo jornal afirmaram ter sido surpreendidas pela decisão do ministro Flávio Dino. Pela manhã, líderes de diferentes bancadas trocaram telefonemas para elaborar uma estratégia conjunta sobre as emendas.
Um líder alertou que a decisão do Supremo pode comprometer a governabilidade do governo do presidente Lula. O parlamentar destacou ainda que o fato de Dino ter sido indicado pelo governo agrava a situação.
O deputado José Nelto (União-GO) faz coro aos deputados que se dizem indignados com a decisão de Dino. Ele espera que a Câmara reaja, inicialmente recorrendo às decisões, mas também diz esperar reação política. “Vai ter a reação porque as emendas são constitucionais. Ninguém vai aceitar perder recursos lastreadas pela Constituição brasileira. Se o Congresso abaixar a cabeça, aí o Supremo passa a legislar também”, diz.
Ele diz que a reação pode passar tanto por adiar a votação do Orçamento, mas também lembra que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou o pacote anti-STF, com proposições que tiram poderes da Corte. “Toda ação gera reação”, conclui.
Outro deputado afirmou que parlamentares do baixo clero apoiam Flávio Dino, já que o modelo atual de distribuição das emendas favorece apenas um grupo restrito. Segundo ele, dentro desse grupo, que é majoritário na Câmara, muitos torcem pelo ministro.
Na decisão, Dino afirma que houve um “apadrinhamento” das emendas pelos líderes partidários, o que na prática impede a identificação dos parlamentares que efetivamente fizeram os pedidos de distribuição.
O ministro também determinou a abertura de um inquérito pela Polícia Federal para investigar a captura das emendas de comissão. Segundo Dino, em uma primeira análise, os fatos “desbordam, em muito, da Constituição, pois não se trata de normal exercício de autonomia institucional ou de saudável celebração de pactos políticos”.
A decisão menciona a Operação Overclean, que investiga suspeitas de desvio de emendas em vários Estados. Em uma das ações, a Polícia Federal flagrou dinheiro vivo sendo transportado em um jatinho que voou de Salvador a Brasília. E uma operação deflagrada nesta segunda-feira, 23, prendeu políticos do interior da Bahia, além de um policial federal.
Dino suspende pagamento de R$ 4,2 bilhões
O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), voltou a suspender a distribuição de emendas parlamentares de comissão. A decisão atinge R$ 4,2 bilhões que estavam previstos para serem pagos até o fim do ano.
Dino afirma que houve um “apadrinhamento” das emendas pelos líderes partidários, o que na prática impede a identificação dos parlamentares que efetivamente fizeram os pedidos de distribuição.
O sistema de apadrinhamento contraria decisões anteriores do STF, que condicionaram a destinação das emendas aos requisitos da transparência e da rastreabilidade.
“Está configurado um quadro que não se amolda plenamente a decisões do plenário do STF, seguidamente proferidas desde 2022”, escreveu Dino.
O STF havia liberado a execução das emendas no início de dezembro com a condição de que os pagamentos seguissem regras constitucionais relativas a transparência, rastreabilidade e controle público. A Câmara, porém, manteve o regime de apadrinhamento por meio dos líderes das bancadas, em um mecanismo que continuou ocultando os parlamentares por trás das indicações.
Na última semana, um ofício assinado por 17 líderes de partidos foi enviado ao governo para tentar liberar ainda neste ano a execução de R$ 4,2 bilhões em emendas, previstos no Orçamento de 2024, que estavam bloqueados por uma decisão anterior de Flávio Dino. Houve também inclusão de novas indicações no ofício. No documento, os líderes explicam que assumem a autoria das indicações.
O Estado de Alagoas, reduto eleitoral do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é o maior beneficiado no remanejamento de emendas de comissão, com mais R$ 73,7 milhões.
Tão logo a Câmara surgiu com o mecanismo dos líderes, entidades e analistas alertaram para problemas da medida. A possibilidade de descumprimento da decisão do STF foi trazida pelo colunista do Estadão Carlos Andreazza.
Flávio Dino afirma que o sistema de indicações “apadrinhadas” permite a “perpetuação da ocultação” dos parlamentares que solicitaram os repasses.
“Tal fato indica violação à decisão desta Corte, de dezembro de 2022, no sentido de que sejam apresentadas ‘informações completas, precisas, claras e sinceras’ sobre o processo orçamentário”, diz outro trecho da decisão.
O ministro determinou a abertura de um inquérito pela Polícia Federal para investigar a captura das emendas de comissão. Segundo Dino, em uma primeira análise, os fatos “desbordam, em muito, da Constituição, pois não se trata de normal exercício de autonomia institucional ou de saudável celebração de pactos políticos”.
Jatinho
A decisão menciona a Operação Overclean, que investiga suspeitas de desvio de emendas em vários Estados. Em uma das ações, a Polícia Federal flagrou dinheiro vivo sendo transportado em um jatinho que voou de Salvador a Brasília. E uma operação deflagrada nesta segunda-feira, 23, prendeu políticos do interior da Bahia, além de um policial federal.
“Não é compatível com a ordem constitucional, notadamente com os princípios da Administração Pública e das Finanças Públicas, (…) malas de dinheiro sendo apreendidas em aviões, cofres, armários ou jogadas por janelas, em face de seguidas operações policiais e do Ministério Público. Tamanha degradação institucional constitui um inaceitável quadro de inconstitucionalidades em série”, disparou o ministro.
Dino também também condicionou a liberação dos valores relativos a 2025 ao cumprimento de condições de “todas as medidas corretivas já ordenadas” pelo STF, “nos exatos termos das decisões do plenário” do tribunal.
“Os recentes ‘cortes de gastos’ deliberados pelos Poderes Executivo e Legislativo tornam ainda mais paradoxal que se verifique a persistente inobservância de deveres constitucionais e legais – aprovados pelo Congresso Nacional – quanto à transparência, rastreabilidade e eficiência na aplicação de bilhões de reais. Realço, mais uma vez, que o devido processo legal orçamentário tem um objetivo maior, conforme a Carta Magna: ‘a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade’”, criticou o ministro.
Além disso, a Câmara dos Deputados deve apresentar, em até cinco dias, as atas de todas as reuniões das comissões permanentes que resultaram na aprovação das 5.449 emendas solicitadas ao Executivo, com a indicação dos parlamentares que pediram os recursos.
Outra exigência do ministro é a de que todos os gestores estaduais e municipais abram, imediatamente, contas específicas para receber cada emenda parlamentar na área da saúde. As contas autônomas são uma solução provisória até a migração dos dados para uma plataforma específica, a Transferegov.br.
ESTADÃO CONTEÚDO